Sinopse:

A obra “Aqui é lugar de ninguém, e esse ninguém sou eu”, surge de uma pesquisa imersiva no intricado tecido da memória, onde o passado é recriado e recontado através da produção artística. Projeto selecionado pela Escola Porto Iracema das Artes para o percurso de Desenho e Aproximações Pictóricas, no ano de 2022 e convidado para integrar a exposição Vizinhanças em 2023 pela mesma instituição, a tela se configura aqui como um espelho da infância, um tempo carregado de momentos inesquecíveis, sejam eles bons ou ruins, vividos em um ambiente doméstico permeado por símbolos sociais.
Nos vazios dos cômodos de uma casa, concebo um mundo próprio. A arte, a tecnologia e os amigos imaginários se unem para recriar um refúgio, uma fuga da realidade passada dolorosa e solitária que passei durante a infância, onde vivenciei momentos de abuso doméstico e torturas psicológicas. São três ‘auto retratos’, produzidos em técnicas mistas, que emergem como testemunhas de um processo de autodescobrimento e reconfiguração de traumas familiares através da produção de imagens.
A pintura, o bordado e a escultura se entrelaçam, fundindo-se em uma expressão única. O têxtil se une ao texto, criando uma modelagem narrativa, uma lembrança esculpida e materializada no agora. As camadas de tintas e fios entrelaçados simbolizam a complexidade das memórias, a sobreposição de experiências que modelam a nossa identidade, retratando o ‘fantasma’ da memória como algo que vem das narrativas sobre o passado. Os olhos sem forma do ‘fantasma’ refletem o retorno ao inconsciente daquelas memórias que são vagas, dúbias e sempre passíveis de questionamento. Ressignificações em progresso, um esforço para transformar a dor em beleza, o caos em arte, o vazio em plenitude.
Na obra, me exponho, compartilhando um processo íntimo de confronto e aceitação, memórias dolorosas são transformadas em elementos de força e compreensão. O observador é convidado a explorar a importância das vivências na infância na formação da identidade adulta, a memória emerge como uma ferramenta vital na ressignificação dessa realidade, e é por meio dela que eu encontro coragem para revisitar momentos marcantes da infância, explorando feridas antigas e cicatrizes emocionais. A memória se torna um espelho, refletindo a trajetória de superação e a transformação das feridas sociais em expressões de arte. Cada lembrança, por mais dolorosa que seja, é um fragmento da narrativa pessoal, uma peça-chave na construção da minha própria identidade e na compreensão da complexidade que é a existência humana.
“Aqui é lugar de ninguém, e esse ninguém sou eu” transcende a arte como mera representação. É um convite à reflexão sobre a natureza da nostalgia e seu poder recriador, onde as pinceladas representam o fragmento do passado e as linhas são as conexões com o presente das experiências vividas. E, ao final, propõe-se a ser uma celebração da resiliência humana, uma obra que encontra cura nas próprias feridas.

Ficha tecnica

Técnica: Têmpera Guache e lápis aquarela sobre papelTécnica mista s/ tela
2023
30x20cm